sexta-feira, 30 de janeiro de 2009

terça-feira, 2 de dezembro de 2008

Ciência e Religião



Lendo a coluna Espiral, de Alysson Muotri, Achei um texto extremamente interessante! O cara é um cientista, e portanto vê o mundo com olhos de cientistas. Mas percebo que neste século a ciência e a religião estão cada vez mais juntas, como dois lados de uma mesma moeda, duas visões da mesma realidade!


Publico a seguir um interessante artigo retirado desta coluna, qualquer semelhança com a visão Zen e o conceito oriental de unidade do cosmos não é mera semelhança....não a meu ver!


"Expresso para o Nirvana
Postado por Alysson Muotri em 06 de Junho de 2008 às 13:10


Jill Bolte Taylor é uma neurocientista da universidade de Harvard, em Boston nos EUA. Jill tem um irmão com esquizofrenia e essa foi a razão pela qual ela decidiu dedicar sua carreira ao estudo de doenças mentais. Como cientista, queria entender como o cérebro consegue captar sinais do ambiente, transformá-los em sonhos e depois em realidade. O irmão de Jill não consegue captar esses sinais da realidade e por isso vive isolado. A pesquisa dela era justamente comparar as diferenças biológicas entre os cérebros normais e os daqueles com doenças neurológicas.

Numa manhã de dezembro de 1996, Jill passou por uma experiência única, que muitos neurocientistas só chegam a conhecer de forma teórica: teve um derrame que a levou direto ao nirvana. Uma veia explodiu no hemisfério esquerdo e durante quatro horas ela acompanhou seu cérebro deteriorar e perder a capacidade de processar qualquer tipo de informação. Não podia falar, andar ou lembrar de qualquer episódio de sua vida. Estava ausente.

O cérebro humano possui dois hemisférios, conectados por um feixe de 300 milhões de fibras nervosas conhecido como corpus caloso. Numa analogia computacional, podemos dizer que o hemisfério direito funciona como um processador paralelo enquanto que o esquerdo funciona como um processador serial. Justamente porque eles processam informação de formas diferentes, cada hemisfério é responsável por tarefas distintas.

O hemisfério direito é responsável pelo visual e intuitivo. Informações que chegam pelos sistemas sensoriais são conectadas e formam uma imagem de um determinado momento. Dessa forma, o hemisfério direito é o responsável pela sua inserção no ambiente. Para essa parte do cérebro, não existe uma definição do “eu”, tudo pertence a um mesmo momento, somos todos a mesma coisa pois estamos juntos naquele mesmo instante.

O hemisfério esquerdo é bem diferente, processa a informação de forma linear e metódica. Considera as ações sempre no passado e no futuro. É o lado do cérebro responsável pela triagem das informações adquiridas no momento presente, classificar cada detalhe, associando com lembranças do passado e projetando as diversas possibilidades no futuro. Ao contrário do hemisfério direito, o esquerdo usa uma linguagem verbal e não visual. Esse hemisfério exclui o indivíduo do resto, pois é o responsável pelas conseqüências das ações do “eu”.

E foi justamente o hemisfério esquerdo o afetado no cérebro de Jill. Depois de sentir uma sensação dolorosa atrás do olho esquerdo, ela começou a perceber que os músculos estavam ficando rígidos. Com esforço, conseguiu chegar no banheiro onde perdeu o equilíbrio e se apoiou na parede. Foi ai que teve uma das mais estranhas sensações, pois não conseguia mais focar nos limites do próprio corpo, como se os átomos do seu braço estivessem se misturando com os átomos da parede. A percepção física do limite de seu braço não era mais o encontro da pele com o ar.

Jill descreve esse momento como se fosse a realização de que tudo está conectado numa mesma massa energética. Seu cérebro pôde apreciar o que estava acontecendo mas sem compreender nada, pois a experiência fugia daquelas do seu dia-a-dia. Momentos mais tarde, ela compararia esse sentimento com o “nirvana”, como se o derrame tivesse sido dado a ela a oportunidade de experienciar algo mágico. Naquele momento, ela perdia toda a bagagem sensorial que carregava desde o nascimento e se sentia livre. Estava viva apenas no presente e em total equilíbrio com o ambiente ao seu redor. Esse sentimento trouxe a ela um respeito maior pelas coisas que a cercam.

Quando você faz parte de um grupo, você respeita isso, para ela o grupo naquele momento era o universo. Imagine se todos tivéssemos essa oportunidade?

Após alguns minutos nesse estado, o hemisfério esquerdo começou a funcionar e chamar a atenção da consciência de Jill: alguma coisa estava errada e ela tinha que agir. Foi aí que perdeu o movimento de um braço e só então percebeu que estava tendo um derrame. Conseguiu então chamar por ajuda e sobreviveu. Uma cirurgia que retirou um coágulo do tamanho de uma bola de golf de seu cérebro seguido de oito anos foram necessários para que se recuperasse.

Esse sentimento de nirvana não faz necessariamente parte da experiência das pessoas que sofrem derrame. Algumas observam alteração no humor quando o lado esquerdo é afetado. Jill foi salva porque o derrame não danificou completamente o hemisfério esquerdo, fazendo com que recuperasse a consciência serial e buscasse por ajuda.

O hemisfério esquerdo é responsável pelo ego, contexto, tempo e lógica; enquanto que o direito se dedica a empatia e criatividade. Na maioria das pessoas, o esquerdo é dominante e a sociedade atual é fruto dessa dominância. Mas para Jill não precisa ser sempre assim, a experiência do nirvana estaria contida dentro do cérebro de cada um, seria uma forma de estabelecer conexões com os outros. Para ela, isso não é um milagre, mas ciência. Desde o episódio, a pesquisadora tem sido contactada por uma série de grupos religiosos que buscam nela uma confirmação espiritual. Mas para ela, religião não passa de uma “história que o hemisfério esquerdo conta para o direito”.

Ou seja, para Jill não precisamos de religião para atingir esse estado. Então como fazemos sem ter que sofrer um derrame? Essa é a grande questão dessa história toda e não sabemos a resposta. A pesquisadora está convencida que exercitar o lado direito com atividades visuais como desenho e pintura, diminui a dominância do lado esquerdo. Interessante notar que diversas linhas de meditação também buscam a imersão no presente através de técnicas de respiração.

Chamo a atenção para a prática de Yoga, diversas evidências descrevem esses exercícios milenares como uma efetiva forma de redução dos níveis de estresse. Mas concordo que isso está longe de propiciar o mesmo sentimento que Jill teve.

Como esse tipo de sensação não dá pra estudarmos em modelos animais, temos que coletar diversas ocorrências em humanos para entender quais as conexões nervosas seriam responsáveis por essa experiência. Enquanto isso não acontece, não custa acrescentar uma nova atividade para quebrar a rotina. Pode não te levar ao nirvana, mas com certeza alguma coisa nova você vai aprender."

quarta-feira, 26 de novembro de 2008

O Eixo Estável



"O aprendiz de Aikido deve dedicar a maior parte de seu treinamento ao domínio das técnicas da rotação e estudar o princípio básico implícito através do treinamento constante. No movimento, deve tornar-se como um pião, estável no centro, nunca perdendo o equilíbrio. Mesmo que o aluno não esteja plenamente consciente, a unidade de ki-mente-corpo com o universo terá sido alcançada."
Kisshomaru Ueshiba - O Espírito do Aikido


A medida que treino, percebo a importância do centro estável e firme, dentro das técnicas de Aikido. O Centro estável possui aspectos físicos, psicológicos e espirituais. Dentro da execução das técnicas, percebemos a eficácia dos movimentos em rotação bem centrada e como a condução do uke fica mais fluída. Cada movimento de Aikido pode ser resumido em entrar na esfera do adversário, impondo a sua, e conduzir a energia do seu ataque de forma a eliminar seu ki agressivo. Esta imposição do nosso centro, firme e estável, é algo que vai além da habilidade física... requer uma imposição mental e emocional!

Desde os tempos remotos, os taoístas falavam da importância do centro, ou eixo, como o local do Tao, o vazio....estar no Tao é estar no Eixo. O centro do furacão é onde está a calmaria, o eixo do pião, que gira em alta velocidade, parece imóvel. estar no eixo é estar em sumikiri, o estado de perfeita clareza.

Vejo a filosofia do centro estável como um dos pilares do Aikido, porque só se consegue a harmonia da unificação (Aiki) quando se está centrado. Estar centrado tanto físico como emocionalmente. Estar no centro de uma situação é vermos ela se desenrolar como se não fôssemos afetados pelos acontecimentos. É o verdadeiro estado de Fudoshin, a mente inabalável!

segunda-feira, 15 de setembro de 2008

O Zen Nas Artes Marciais



Texto extraído do livro O Zen nas Artes Marciais, de Joe Hyams, Ed. Pensamento.


Meu parceiro e eu praticávamos shomen uti, o primeiro movimento do handori no kata, na prática do Aikido. O exercício exigia de mim, na defesa, que evitasse o golpe direto no rosto movendo-me na direção do braço do agressor e projetando o atacante para trás, ao mesmo tempo em que aplicava-lhe a mão no queixo, usando a meu favor o peso do meu corpo.


Atraquei-me várias vezes com meu parceiro, mas fui incapaz de movê-lo do lugar. No fim, já algo descontrolado, recorri à força física, e ele tombou no tatami. Senti, então um leve toque no ombro; voltando-me dei com a instrutora de cenho franzido.


Disse-me com ar de reprovação: - Você encarou o ataque dele de frente. Por ser forte, você o afastou, mas você não barrou a força dele, nem a intenção dele de atacar.Quando alguém o ataca, está levando você contra você o seu Ki, que começa fluir no momento em que ele decide atacá-lo, ainda antes que o corpo dele se mexa. Você não precisa absolutamente tocar-lhe o corpo, caso possa redirecionar a mente dele e o fluxo do seu ki. Esse é o segredo; afaste a mente dele de você e o corpo irá atrás.


E como posso afastar a mente dele? - perguntei.
Não agredindo o fluxo do seu ki, nem deixando que ele perceba a sua intenção. Não puxe, nem empurre, nem chute. Toque-lhe apenas de leve e gentilmente o corpo, conduzindo-o para onde você quer. Desse modo, a mente dele não é contrariada e o corpo dele cederá.


O princípio subjacente ao Aikido - prosseguiu ela - é o de entregar-se de tal forma à força que se aproxima, que ela se torne incapaz de feri-lo, e ao mesmo tempo mudar-lhe a direção, empurrando-a por trás, em vez de buscar encará-la de frente. O praticante de Aikido nunca vai de encontro à força do oponente. Ao contrário, dá outro rumo à força que vem na sua direção.


"O princípio de evitar a luta e nunca enfrentar diretamente a força de um agressor é a essência do Aikido. Esse mesmo princípio vale para os problemas que a vida nos traz. O praticante habilidoso de Aikido é tão esquivo quanto a verdade do Zen; converte-se num Koan - um quebra-cabeça que nos escapa quanto mais esforço fazemos para resolvê-lo. É como a água que se esvai entre os dedos de quem procura agarrá-la. A água não vacila antes de se entregar, pois no instante em que os dedos começam a se fechar sobre ela, ela escapa - não pela própria força, mas valendo-se da pressão que é aplicada sobre ela. Talvez seja por isso que um dos símbolos do Aikido é a água."


Pouco depois da aula tive a oportunidade de testar parte dos princípios do Aikido que a instrutora me transmitira. Durante um encontro de negócios, percebi que estava prestes a um desentendimento com um associado. Decidido a contorná-lo, se possível, procurei não reagir à investida inicial, fugindo do enfrentamento direto. À medida que a discussão prosseguia, admiti que sua argumentação tinha méritos, e ao mesmo tempo tentei dar outro rumo à sua exaltação. Permitindo que meu "oponente" gastasse sua energia e exaltação, e não respondendo nem lhe retrucando, evitei uma dicussão. Ele acabou encolhendo os ombros e se foi.


A leveza triunfa da dureza; a fraqueza, da força. O flexível leva sempre vantagem sobre o rígido: - eis o princípio do controle das coisas pela acomodação a elas, do domínio através da adaptação.

LAO-TSU

quinta-feira, 11 de setembro de 2008

Belas paisagens de Tóquio...

Em uma de minhas muitas "viagens" pela NET, achei este bonito video num videolog muito interessante: http://vimeo.com/sugoi

Ofereço-o a vocês, visitantes ....



Soothing Glimpses of Tokyo from Sugoi on Vimeo.

segunda-feira, 8 de setembro de 2008

quarta-feira, 27 de agosto de 2008

Corpo não mente





Achei este ótimo texto de Paulo Leminski , e não resisti à tentação de publicá-lo no meu blog. Aproveitem....
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"Integrar mente e corpo é voltar ao paraíso
que só conseguimos experimentar em momentos privilegiados."

Quando Francisco Xavier, o missionário jesuíta, aportou no Japão, na crista das navegações, sua catequese produziu milhares de conversões e o catolicismo começou a se espalhar pelo país. Nas cartas que escreveu para seus superiores em Roma, Xavier descreve com júbilo os progressos do apostolado na Terra do Sol Nascente. Nas mesmas cartas, porém, queixa-se contra os adeptos de urna seita chamada zen (deve ser a primeira menção ao zen na Europa).


Não consigo converter nenhum dos adeptos dessa seita, Xavier confessa.

Não mostram nenhum respeito pelas coisas sagradas, riem de tudo e debocham dos símbolos de nossa religião, prossegue.


A razão secreta do insucesso de Xavier com os praticantes do zen reside na radical diferença entre as relações corpo/mente (ou corpo/alma) no catolicismo e no zen. Todas as práticas zen (o zen é - sobretudo - uma prática) visam atingir o ponto de fusão corpo/mente, aquele lugar alfa onde essa distinção (vista como erro e ilusão) não seja mais possível. Visariam, de certa maneira, uma espiritualização de corpo e uma corporificação da mente e do espírito. Isso é muito visível nas artes marciais, judô, kendô, caratê, aikidô, todas empapadas do zen. Quem pratica artes marciais, aprende logo que o corpo não é urna máquina governada por um comandante genial chamado mente.


Na hora de aplicar um golpe, sente-se claramente que o corpo pensa. Impossível não ver os paralelos entre essa experiência e a vivência do sexo que, para ser realizado plenamente, exige um momento de fusão total entre um corpo que sente e uma mente que dirige. Não se pode obter uma ereção ou um orgasmo pensando em reforma tributária...


Ao tentar converter superiores da seita zen, com a frase básica "salve tua alma", Xavier esbarrou num obstáculo intransponível: os monges zen não podiam conceber que a alma fosse urna coisa que a gente possuísse e pudesse ter um destino distinto do corpo, suas peripécias, misérias e esplendores. A arte de um judoca ou de um carateca não é "una cosa mentale", como disse Leonardo da pintura. É essencialmente unitária, anterior ou posterior à dicotomia corpo/mente que impregna, sub-repticiamente, todo o pensamento ocidental de Descartes para cá.


As origens desse divórcio no indissociável são, claro, de natureza religiosa: a mente do racionalismo ocidental é a filha leiga da alma salvável do cristianismo. Sem direito a além-túmulo, porém. Mas não pense que coisa tão grave teve raízes apenas filosóficas na mente de algum pensador isolado.


A sociedade urbano-industrial, através dos métodos de trabalho que impôs, promove a dissociação corpo/mente mais do que qualquer tratado de metafísica. É uma força desagregadora, destribalizante, atomizante. Não há lugar para o corpo na grande fábrica, a não ser como a unidade de trabalho, nunca como lugar de prazer e satisfação sensorial.


E a alma toma os novos nomes de "habilitação profissional", "treinamento especializado", abstrações no seio dessa imensa abstração que é a anônima sociedade industrial-urbana.


Eu mando, você obedece


Escravos e senhores. Nobres e servos. Patrões e empregados. Técnicos e operários. Nada distingue mais o homem dos animais do que a divisão de trabalho, nossa grande força e também a fonte de nossas fraquezas.

Foi através da divisão do trabalho que o homem multiplicou seus poderes sobre a natureza numa velocidade fantástica: há apenas 30 mil aros tudo o que tínhamos para enfrentar a hostilidade do meio ambiente eram armas de pau, pedra e osso e vestimentas de peles de animais. Neste prazo biologicamente curtíssimo, saltamos da lança de madeira para o computador, a eletricidade, a engenharia genética e a energia nuclear. Isso só foi possível porque o homem, em todas as latitudes, especializou determinados grupos de sociedade em tarefas específicas. Qualquer tigre sabe fazer tudo o que qualquer tigre faz, e nada além disso. Todo tigre é um inteiro. Nós somos fragmentados. Uns plantam, outros vendem. Uns mandam, outros obedecem. Uns celebram cerimônias aos deuses, outros carregam pedras para erguer pirâmides, templos e catedrais.


Quem não vê que a dicotomia mente/corpo é uma projeção e uma decorrência da divisão do trabalho, a divisão interiorizada em nós? A mente é uma metáfora da classe dirigente servida pelo corpo.


A divisão do trabalho é o verdadeiro Pecado Original, aquele que nos expulsa do paraíso e nos lança na grande aventura da vida e do mundo. A serpente sugere, Eva colhe o fruto proibido, Adão o come... Integrar mente e corpo é voltar ao paraíso que só conseguimos experimentar em momentos privilegiados: às pessoas desintegradas, o paraíso também é vivido sob a forma de fragmento.


Um dos momentos mais radicais da divisão do trabalho está na separação entre trabalho braçal e intelectual. Essa divisão começa no mundo religioso. Sacerdotes e agricultores, monges e guerreiros, padres e fiéis, são o modelo remoto da atual divisão entre técnicos e teóricos diante da mão-de-obra.


E certas práticas religiosas como o jejum, a castidade, o silêncio e a busca do desconforto físico concorreram poderosamente para acelerar a cisão entre corpo e mente. Não seria exagero imaginar que a noção da "alma" tenha nascido dessas práticas onde o corpo é tratado como um inimigo, fera que deve ser domada, humilhada e reduzida a ser uma montaria dócil sob as rédeas do "Espírito".


No século passado, quando começa o mando industrial de hoje, aparece a figura do "intelectual", o homem/mente por excelência, vivendo apenas na atmosfera rarefeita do "mundo das idéias". Com o intelectual, seus afins, o técnico, o especialista, o pensador...


Entre um corpo e uma mente, mil anos-luz de vazio onde se criam monstros e demônios, duendes e neuroses.


Os demônios se chamavam Lucifer, Belzebu, Asmodeu, Belial. Hoje chamam-se neurose, paranóia, esquizofrenia, mania. É perigoso separar aquilo que, por natureza, é uno e inteiro.

De volta à unidade

O retorno ao paraíso perdido, a re-união mente e corpo não pode sequer ser sonhada, em termos integrais.
Essa estranha entidade que é o ser humano, que somos nós, resulta irremediavelmente cindida.
O próprio exercício disso que se chama "razão" parece estar ligado, carne e unha, com a dissociação entre uma metade que "pensa" e um corpo que obedece. Estamos condenados à razão.

Mas é essa mesma razão dissociativa que pode nos aproximar, por momentos iluminados, da unidade perdida, em algum ponto-anos-luz no espaço/tempo. Nós buscamos essa unidade na prática do lúdico e do erótico, na arte, no esporte, no amor e no sexo. Nessas áreas do in-utensílio, ela vida além da tirania do lucro e da utilidade. Ao brincar e jogar, estamos salvos, livres. E de volta.
Para o zen, é na própria vida cotidiana que está o segredo. E preciso resgatar a grandeza infinita dos gestos simples e "elementares". Cuidar da vida. Curtir a minúcia. Lavar a própria roupa. A louça. Arrumar a casa. Fazer sua comida. Tomar banho como quem realiza um ato sacro. Recuperar o prazer da prática dos atos primários. Saber que ser matéria, caralho e buceta, boca e estômago, é uma dignidade e um esplendor.

Dá trabalho. Mas, para brilhar, as estrelas têm que arder, até o glorioso fim.

RUMO AO SUMO

Disfarça, tem gente olhando.
Uns, olham pro alto,
cometas, luas, galáxias.
Outros, olham de bando,
lunetas, luares, sintaxes.
De frente ou de lado,
sempre tem gente olhando,
olhando ou sendo olhado.

Outros olham para baixo,
procurando algum vestígio
do tempo que a gente acha,
em busca do espaço perdido.
Raros olham para dentro,
já que dentro não tem nada.
Apenas um peso imenso,
a alma, esse conto de fada.

(P. L.)


in Revista Corpo a Corpo, 1987, p. 97-98.